26 de nov. de 2008

Degustando cicatrizes

Não tenho um pássaro na mão. Nada nesta mão, nada na outra. Vejo dois deles voando livres, soltos. Não valem nada: não estão na minha mão; não posso tocar, então vejo, observo. Eu sei ver. Não sei se sei tocar; eu sei ver.

Observo, todos os dias, os dois pássaros voarem juntos. Não sei o que dizem um ao outro. Parecem felizes. Um deles valeria mais em minhas mãos. Para mim. Eu estaria feliz, talvez: não sei se sei tocar. Não me contento em ver. Não me contento com o que sei fazer, não quero fazer o que sei fazer. Não sou feliz com os pássaros voando. Não sou feliz como os pássaros voando. Não valem nada. Para mim. Parecem felizes.

Se eu tocasse um deles, não sei se esse seria feliz. Eu seria feliz? Mesmo se esse pássaro não o fosse? Só por estar em minhas mãos? Talvez — não sei: não estão voando por que eu os soltei após segurá-los; nunca os toquei. Não posso tocar. Seria arranhado se tentasse. Fui arranhado uma vez. Duas. Não me lembro quantas. Não posso olhar as cicatrizes e contar o número de vezes: não posso vê-las, apenas as sinto relembrarem-se de seu nascimento, sempre que observo os pássaros.

Dói olhar para os pássaros. Dói. Mas não posso tocá-los, então os observo enquanto enxergo. Enquanto pulso. E eles se empanturrarão degustando meus olhos, quando estiver morto. Depois partirão, já famintos — porém pacientes —, à procura de outro, tão fraco quanto eu.

19 de nov. de 2008

In cômodos

Ajustou o horário do despertador, desligou o celular e fechou os olhos.

Fechava os olhos.

Fechou os olhos.

Estava escuro, agora, apesar de leve luz que conseguia trespassar suas pálpebras e dos — já conhecidos de infância — pequenos ''estouros'' luminosos que implodiam vagarosamente em sua frente, como fogos de artifício particulares.

Isso o incomodava.

Estava silencioso, calmo, exceto pelos eventuais e inexoráveis carros que passavam e passariam pela rua próxima, pela madrugada. Havia, também, o barulho do ventilador e o irritante remexer das cortinas pelo vento.

Uma leve coceira na perna; passou. No olho, agora; passou também. O lençol está de ponta-cabeça. Ajeitou-o. Ao avesso, agora. Ajeitou novamente.

Pensava na vida; na sua vida, o egoísta: quem era ele para ficar pensando na própria vida assim? E os milhões de outros seres humanos em situações piores que ele? Ele deveria se sentir melhor por saber que havia muito mais gente se sentindo pior do que ele naquele exato momento?

Enfim, pensava na vida. Em coisas aleatórias. Em nada, em tudo.

Besteira de poeta. Ou presunção de não-poeta.

Queria dormir, estava cansado. Era como se algo o sacolejasse para que permanecesse como estava. Tinha que dormir, precisava acordar cedo para a rotina do amanhã, por toda a eternidade que ele viesse a resistir em vida.

Isso o incomodava.

Faz tempo que não escrevo pro blog, pensou. Vão achar que desisti. De novo.

Tinha que escrever, um dia. Fez umas anotações num caderno próximo, recolocou-o e deitou-se novamente.

E dormiu.